Existem três termos usualmente confundidos quando o tema é armas de fogo. No Brasil, o porte de armas é proibido por força do Art. 6º da Lei 10.826/03, mas tanto a sua posse quanto o seu transporte podem ser permitidos, em determinadas situações.
Assim, a compreensão desses conceitos é fundamental para o exercício da própria cidadania consubstância no exercício do direito elementar de legítima defesa, ainda que dentro das situações precárias exigidas pela legislação em vigor.
Nas próximas linhas compreenderemos, com brevidade, a diferença destes conceitos e como este conhecimento pode influenciar os seus direitos.
POSSE
Vamos começar a encarar os desafios absurdos do Direito brasileiro?
Embora a posse de arma de fogo seja permitida – com muitas restrições – no Brasil, o pretório excelso, Supremo Tribunal Federal, nos presenteou afirmando que não existe conceito definitivo para a posse.
Desse modo, para compreendermos a posse, é necessário extrair, teleologicamente, o que o legislador desejava à época de sua redação.
Com base no que se pode inferir da Lei 10.826/03, “posse” significa possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, no interior de sua residência ou dependência dela ou em seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.
Em outras palavras, possuir arma de fogo, significa tê-la em casa ou no trabalho, sem trazê-la consigo fora de suas propriedades. Dentro de sua casa o indivíduo pode usar sua arma carregada na condição 0 se desejar.
A posse é permitida a todo brasileiro com mais de 25 anos, sem antecedentes criminais, que alegue necessidade (não é necessário provar) e capacidade psicológica e técnica para o manuseio. (Saiba como comprar sua arma legalmente)
PORTE
O porte de armas de fogo é proibido no Brasil desde 2003, com a vigência do Estatuto do Desarmamento. A própria Lei estabeleceu 11 exceções, em sua maioria pertinentes a funcionários públicos, a saber:
“I – os integrantes das Forças Armadas;
III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;
V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;
VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;
IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.
XI – os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP.”
Em tese, portar alguma coisa significa trazê-la consigo. Quando se fala em arma de fogo, significa trazê-la consigo e pronta para o uso (alimentada, municiada, carregada e coldreada ou nas próprias mãos).
O legislador, contudo, resolveu ampliar um pouco este conceito para ter certeza de cercear ao máximo as liberdades do brasileiro.
Portanto, ao definir os crimes de “porte ilegal” de arma de fogo de uso permitido ou restrito, o legislador adicionou alguns nucleos verbais que, para os efeitos da lei, têm a mesma importância que trazer consigo a arma, confira:
“Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:”
Assim, mesmo que alguém esteja transportando uma arma totalmente desmontada, desmuniciada e no porta-malas do carro, poderá responder por “porte ilegal de arma de fogo”, se não tiver a documentação necessária ao ato (Guia de Tráfego). Absurdo? Ainda é só o começo.
TRANSPORTE
Diferencia-se o transporte do porte na medida em que nesse, a arma está pronta para o uso imediato, ao passo que naquele a arma não deve ter condições de uso imediato. Assim, em tese, quem está levando uma arma desmuniciada não está portando, mas sim transportando uma arma de fogo.
Vimos, contudo, que o legislador ardilosamente confundiu estes conceitos na elaboração da Lei 10.826/03 e, mesmo quem esteja transportando uma arma pode responder pelo crime de porte de arma de fogo.
O conceito também é essencialmente relevante para os chamados CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores). Como visto, originalmente o Art. 6º do draconiano estatuto previa o direito de portar armas para esta categoria (inciso IX), o que é bem razoável, considerando que não raramente os atiradores têm preparo superior aos próprios policiais ou militares.
Todavia, o congresso não poderia perder a chance de exercer uma perfídia também em relação a esta “brecha” na lei. O Ex-Presidente (felizmente) Luiz Inácio Lula da Silva promulgou, em 2004, o Decreto 5.123/04 que equiparou o conceito de porte ao de transporte, ao regular o inciso IX do Art 6º da Lei 10,826/03.
Com total ma fé, nossos legisladores inventaram o tal conceito de “porte de trânsito”, que nada mais é que o transporte, travestido para impedir que os atiradores, colecionadores e caçadores exercessem o direito que a Lei 10.826/03 não teve a coragem de tirar.
Considerações finais
Conhecer e diferenciar os conceitos de porte, posse e transporte de armas de fogo é fundamental para o exercício dos poucos direitos relativos a armas de fogo no Brasil. Mais ainda, é fundamental para seja possível pleitear a alteração do cenário atual, tão distante do interesse público.
Em que pese a votação no referendo de 2005 ter se limitado ao Art. 35 da Lei 10.826/03, é bastante razoável supor que o cidadão – que em geral não diferencia estes conceitos – votou pelo direito ao porte de armas de fogo.
Compreendendo o interesse público como indisponível pelos Três Poderes, é urgente a necessidade da revogação do Estatuto do Desarmamento e o rápido atendimento dos anseios populares democraticamente expressos há quase 7 anos e nunca respeitados.